Aquela rapariga.

Em tempos conheci uma rapariga que era a contradição dela própria. 8 ou 80 mas sem o menor sentido. 

Uma rapariga que eu nunca consegui entender, mas que me esforcei para que ela sentisse que tinha alguém em quem confiar, a quem se podia dar a conhecer, alguém com quem ela podia ser simplesmente ela própria para além de todas aquelas imagens erradas que tentava transmitir.
Certo dia, combinamos um café. Acho que foi, certamente, um dos maiores e melhores acertos que fiz na vida. Passámos horas e horas à conversa. Como é que uma pessoa rodeada por um enorme escudo protetor estava despida de proteções? Talvez por sentir que tinha alguém que a compreendia? Não sei. E como já disse, não entendo. Mas deixei-a falar. 
Contou-me que sempre fora uma menina feliz. Que tinha vivido uma infância despreocupada, feliz e divertida. Que costumava ser das pessoas mais meigas e bem dispostas que ela própria conhecia. 
Contou-me dos seus primeiros "contactos com o amor" relacionados com as primeiras paixonetas típicas do primeiro ciclo. Das primeiras brigas entre melhores amigas pela disputa do mesmo rapaz que aparentava ser o mais giro do colégio. Que piada. As meninas têm esse clichê estupido de lutar por rapazes. Que coisa mais deprimente. Mas eu não julgo. E ela continuou... Falou-me do seu incrivel progresso académico, até ao 8º ano. O ensino básico muda-nos. Para ela foi uma mudança igual a ela, do 8 ao 80. E foi então que eu pensei " como é uma excelente aluna tem uma queda tão a pique?". Não quis insistir. Fez-se silêncio. Não fiz pressão e esperei que ela voltasse a falar. É então que ela diz com um ar de menina pequenina "apaixonei-me......" Foda-se. Como se fosse preciso dizer mais alguma coisa. "....... E tive o meu primeiro namorado a sério". Há quem diga que não há amor como o primeiro. Mas depois de uns minutos de conversa. Percebi que o que ela desejava era exatamente isso: não ter nenhum amor como o primeiro.... Não é de admirar. Segundo o que entendi, a rapariga apaixonou-se, e foi traída... Pensando bem, quem não? O mais estranho, é que mesmo sendo o primeiro namoro, a rapariga conseguiu tomar a decisão racional e consciente de se afastar daquilo. Afinal a sua inteligência ainda estava no seu corpo, por ali algures. E assim o fez. Mas como é lógico, as pessoas detestam saber que foram "superadas" antes de terem tempo de "superar". E foi então que o traidor se sentiu traído, por achar que a rapariga não gostava tanto dele como dizia. Ela disse que gostava bastante dele, mas que gostava mais dela própria. Bem,13 anos na altura e tudo acente, estou chocada. 
Subitamente a expressão dela mudou. Ficou séria, quase que tenebrosa. Resolvi ficar calada, não entendia o que se estaria a passar. Até que ela diz baixinho "ele não fez por mal......". Mas o quê? Pois bem, discutiram e ele bateu-lhe. Cobarde. Típico. Respondi-lhe, "enganas-te. Faz mal, muito mal". E ela consentiu acenando com a cabeça que sim. E prosseguiu.............. E quando mais ela contava, maior era o aperto que eu sentia no peito. Só pensava "ela vai achar que eu não lhe ligo nenhuma, mas não sei o que dizer". 
E ela continuou........... Falou-me rapidamente do quão detestável fora o seu nono ano, do outro namorado que teve, das traições e discussões, do bullying, do quão fabuloso foi o baile de finalistas e a semana que se seguiu, mas que também não queria desperdiçar tempo a falar nisso. E eu, não insisti. 
Depois sorriu. E disse "entretanto passei para o secundário, é um mundo à parte". Cheirava-me a homem. E cheirava-me bem. 
Apaixonou-se. De novo. Que teimosia que o ser humano tem em magoar-se. Disse-me que nunca encontrou ninguém assim, que pareciam o reflexo um do outro. Que começaram a namorar da forma mais ortodoxa que alguma vez vira. Que passou o melhor meio ano dos últimos anos que se tinham passado. Mas, como eu já disse, o que é bom, depressa acaba. E acabou. E ela bateu no fundo. Isolou-se. Não quis saber dos outros, nem dela própria. 
Mas a vida continua. E a dela não iria ser excepção. Voltou a apaixonar-se e a forçar-se a apaixonar-se uma e outra e outra vez. Sempre sem sucesso. Se havia coisa que reinava na vida dela eram pares de chifres, amigos deixados para trás por gajos de merda, e uma grande taxa de insucesso devido a uma queda infalível por idiotas chapados. Acontece a todos.
Mais um amor. Mais nove meses passados. Mais do mesmo. A gaja é uma azarada dos diabos ou deixava que todos fizessem tudo dela. Só podia. 
Mas eu só pensava como é que ela parecia tão forte à minha frente e depositei este background todo?
Foi então que ela resolveu fazer com toda a gente aquilo que tinham feito com ela. Beijou e contou, beijou e foi embora, beijou e não quis saber, deixou que se entregassem sem retribuição. Ora bem feito. No entanto, não resultou. E nada melhorou.
Não havia solução. E a ansiedade instalou-se. Os ataques de pânico. A necessidade de controlo. Como é que se quer controlar o que se passa em nosso redor se nem a nossa vida conseguimos controlar.
Ela fez uma pausa e sorriu. Disse que das melhores coisas que aprendeu na vida é que está melhor sozinha.
Identifiquei-me em parte. Acho que a solidão não é solução. Mas percebi. "Já passaram oito meses desde que estou por minha conta, e nunca me senti tão bem".
Tive a infeliz ideia de lhe perguntar "e agora, andas a ver alguém?" Mas o que é que eu fui fazer.... Ela entristeceu, baixou a cabeça e fez-se silêncio. E ela ficou à beira de se desfazer em lágrimas. E subitamente, parou. Levantou a cabeça, e sorriu. A máscara estava posta. E lá estava ela. Com a sua cara de cabra insensível, com o seu ar resplandecente e com o seu nariz empinado. Sorriu e disse "não te preocupes é na boa, mas não contes a ninguém". E assim, se foi embora. Desde então que somos as melhores amigas. 
Por alguma razão essa rapariga sempre preferiu que todos falassem o que quisessem dela, ao invés de se abrir perante as pessoas como, estranhamente, fez comigo.
Talvez um dia ela não se importe que eu vos conte a sua história e venha dar um olá.

Talvez hoje seja o dia e, por isso: 
Olá. 

(2015. Outubro, 4) 


Comentários

  1. Dos melhores textos que já li, sem dúvida. Espero q tenhas sucesso. Beijinho

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  2. Muito obrigada! É optimo ler feedbacks desses! Um beijinho

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  3. Uau... um texto incrível! Verdadeiramente adorei! Espero que continues assim, vou querer saber mais dessa rapariga :)
    Se quiseres saber mais obre outras raparigas e pessoas, convido-te a ver o meu blog: http://simplesmenteeuumcomummortal.blogspot.pt/

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  4. Ola Leonor! Tens aqui um blog muito rico em textos muito bons... dá vontade esperar pelas próximas publicações, sentir a beleza das tuas palavras... sempre se conhece o vosso íntimo feminino que nos parece aos homens, complexo. Parabéns, tens mais outro seguidor
    Beijos
    area-escritalhada.blogspot.pt

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  5. Olá! Muitos parabéns! Escreves de uma forma excelente e bastante natural!!
    Continua assim!!

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