Para quê?

Gostei de ti, certamente, mais do que devia. Desobedeci constantemente a todas as exigências e regras que impus a mim mesma. Gostei de ti todos os dias, sempre e cada vez mais. 
Sempre fui uma perfeita adepta das coisas pequeninas e mesquinhas. Como de sorrisos envergonhados, elogios sem lógica a meio de uma conversa, e até da simples maneira como despreocupadamente seguravas a minha mão no meio de ruas cheias de gente.    
Habituei-me ao teu cheiro e ao meu também do perfume que tu mesmo me ofereceste. Habituei-me ao teu toque, à tua própria temperatura. Habituei-me ao teu olhar profundo e penetrante. Pois é, antes não te conseguia olhar nos olhos. Sempre senti que me despias com um olhar, e sentia-me desprotegida. Ultrapassada essa barreira comecei a sentir-me segura, o teu olhar era algo calmo, que me transmitia serenidade. Já não me sentia despedida. Sentia-me tua. Habituei-me à nossa telepatia extraordinária. À maneira como conseguias perceber aquilo em que eu estava a pensar, só através da maneira como olhava para ti. Habituei-me aos silêncios constrangedores, que deixaram de ser constrangedores. Habituei-me a ter a mão em cima da tua quando metias as mudanças, a mexer no teu cabelo enquanto conduzias e a brincar contigo quando ficávamos parados no meio do trânsito. Habituei-me ao som da tua voz, ao bater irregular do teu coração, à tua respiração. Habituei-me a chamadas, mensagens de boa noite, e textos de madrugada. Habituei-me às nossas tardes, e noites. Aos teus beijos, abraços e sussurros.  Habituei-me aos nossos jantares silenciosos. Costumavas passar a vida a mandar-me calar. 
Costumava ter tanto para partilhar contigo. Lembro-me que enquanto falava, não me interrompias, por muito pouco interesse que aquilo que eu te estava a contar tivesse para ti. Costumavas fazer um sorriso inocente quando eu me perdia em ti, e começava a baralhar as sílabas das palavras.
Falávamos tanto. E eu costumava ter tanto para partilhar contigo, e somente contigo. E agora não tenho. Ou melhor, tenho. Mas tu não estás aqui. 
Já não sei o que dizem os teus olhos. Já não te decifro, já não te reconheço. Que é feito de ti?....... Habituei-me tanto a ti, para quê? 

(2015. Fevereiro, 29)


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